Estava na pauta da Comissão
de Justiça do Senado um projeto de emenda constitucional sobre a
prerrogativa de foro concedida a detentores de mandatos e a autoridades.
Sugeria o fim do privilégio. Autor da proposta, o senador Cássio Cunha
Lima (PSDB-PB) desistiu de levá-la adiante. Curta o Araruna Online no Facebook
“Com toda a repercussão que o julgamento do mensalão vem tendo, creio
que é melhor suspender a tramitação da matéria nesse instante”, diz o
senador. “Entendo que é conveniente fazer uma reflexão mais serena sobre
esse tema, evitando um desnecessário barulho de opinião pública.”
O barulho, de fato, tornou-se incontornável. Antes das condenações do
mensalão, a emenda de Cunha Lima tinha a aparência de uma homenagem ao
igualitarismo. Agora, ganha as feições de prêmio aos denunciados de
gravata. A aprovação da proposta enviaria ao juízo de primeira instância
todos os processos abertos contra os réus do poder.
Além de prazos novos, os acusados ganhariam uma avenida de recursos
que, no Brasil, costumam retardar as sentenças por prazos que chegam a
duas décadas. A platéia faria as contas (o julgamento do mensalão
demorou sete anos, mas a palavra do STF é terminativa). E as pessoas
talvez concluíssem que o ruim pode ficar pior. Daí a meia-volta de Cunha
Lima.
O projeto do senador tucano sai de cena num momento em que o
presidente da Comissão de Justiça, Eunício Oliveira (PMDB-CE),
preparava-se para indicar um relator. Pelo texto, desceriam à primeira
instância do Judiciário os processos envolvendo as infrações penais
comuns cometidas por parlamentares e autoridades.
O STF passaria a julgar apenas os pedidos de habeas corpus de
autoridades encrencadas. Uma forma de evitar eventuais abusos de
magistrados. De resto, o Supremo daria a palavra final nas ações por
crime de responsabilidade contra o presidente da República.
Correm nos escaninhos do Senado e da Câmara outros projetos de teor
análogo ao de Cunha Lima. Resta agora saber se os autores terão peito
para arrostar o debate. Há um quê de ironia na situação. Responsável
pelas hesitações que tomam de assalto os legisladores, o ministro
Joaquim Barbosa, relator do mensalão, é um ativista da causa do fim do
foro privilegiado.
Barbosa chegou a mencionar o tema numa sessão plenária do STF.
Recordou que Bill Clinton, quando era presidente dos EUA, foi inquirido
pelo Grand Jury, um órgão de primeira instância do Judiciário americano,
composto “de pessoas do povo”. O ministro realçou: “Era o presidente
dos Estados Unidos comparecendo perante esse júri, falando sob
juramento, sem privilégio algum.”
Para Barbosa, a imagem “do homem mais poderoso do planeta
submetendo-se às mesmas leis que punem o cidadão comum” confere ao foro
privilegiado vigente no Brasil a aparência de uma medida concebida para
dar “racionalidade à impunidade”.
O raciocínio de Barbosa escora-se no fato de que os tribunais
superiores, como o STF e o STJ (responsável pelo julgamento de
governadores), não estão aparelhados para instruir processos penais.
Cabe-lhes julgar recursos, não ações ordinárias, que envolvem a audição
de testemunhas e a produção de provas.
A combinação das debilidades das Cortes superiores com o volume de
processos que cada ministro é obrigado a julgar –cerca de 10 mil por ano
no caso do STF— acaba por empurrar as ações contra os poderosos para a
gaveta da impunidade.
As sentenças do mensalão alteraram essa percepção. Porém, está
boiando na atmosfera uma pergunta: o STF terá fôlego para dispensar aos
outros processos os mesmos rigores que impôs à ação penal do mensalão.
Aguardam na fila do Supremo mais de três dezenas de encrencas penais.
Entre elas o processo que envolve o mensalão mineiro do PSDB.
Da Redação (com Blog do Josias)
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